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A Presença da Forma

A forma entre espectros.
A Arquitetura
A Arte
O Design

Ensaio por: Guilherme Falcão


Num sentido abstrato, hoje  a 'forma' tem uma definição ambígua, não tem tamanho nem feitio. 

“(…)Por exemplo a diferenciação de uma colher, na classe colheres. O termo colher designa uma forma tendo duas partes inseparáveis: o cabo e a concha. Uma colher implica um desenho específico, pequeno ou grande, executado em prata ou madeira, rasa ou cavada. Forma é “o que”, o desenho é o “como” A forma é impessoal, o desenho depende do desenhador. O desenho é um ato circunstancial, conforme o dinheiro que se disponha, o local, o cliente, a extensão dos conhecimentos. A forma nada tem haver com condições circunstanciais. Em termos de arquitetura, caracteriza a harmonia de espaços adequados a uma atividade humana própria.”
                                                                                                                                                                                                                                 Revista arquitectura, n74, P.24

                                Forma
                                Forma
da casa
                                Forma de fazer Uma Forma
                                Forma quadrada
                                Forma do espaço
                                Forma de viver
                                Forma de habitar
                                Forma de distribuir
              A vida da Forma
                                Forma de pensar
                                Forma plástica
Transformar uma Forma
                                Forma de transformar
                                Forma de sonhar
                         Dar Forma
                                Forma abstrata
                                Forma regrada
                                Forma concreta
Materializar uma Forma
        Esculpir uma Forma
                                Forma do edifício
                                Forma tradicional
                                Forma moderna
                                Forma

A palavra forma, quando é proferida aparenta ter a sua definição intrínseca.

“O que é a forma, é a forma…”, na verdade, tudo é forma: da forma de fazer, à forma de viver, à forma das coisas. Da forma abstracta, à intelectual de premeditar ou agir; criada pela mão do Homem ou impressa pela natureza, onde surgem figuras, repetições, simetrias, em que o Homem quando as interpreta usa o seu conhecimento matemático e físico para as compreender. Outros, os artistas, usam-nas, formas orgânicas intelectualizadas, combinadas ou impressivas. Outras de serem tão belas, o Homem contempla-as ao natural, virgens dele próprio.

 

“Não apenas toda a atividade se deixa discernir e definir na medida em que toma forma, em que inscreve a sua curva no espaço e no tempo, mas também a vida age essencialmente como criadora de formas. A vida é a forma, e a forma é o modo de ser da vida.”

FOCILLON, Henri. A vida das formas. Arte e Comunicação, Lisboa, 2016, P.10

 

 

Ao longo do tempo a palavra foi tendo apropriações diferentes e só a partir de certo momento é que fez sentido se relacionar à arquitetura. O termo começou a ser aplicado na filosofia, perceção da estética e mais tarde na arte; apesar dos primórdios do gesto formal terem sido uma tradução do objecto utilitário à sua aprimoração estética.

Na Grécia antiga, Platão , assumia que a forma é superior às coisas feitas à sua semelhança. A forma era algo mais profundo que a matéria. Eram as formas geométricas que davam razão a tudo

 

“Plato proposed that geometrical figures, triangles and solids underlay the substance of the world.”

FORTY, Adrien. Words and Buildings: A vocabulary of modern Architecture. Thames and Hudson, New York, 2000, P. 149

 

“Take for example a perfect triangle, as it might be described by a mathematician. This would be a description of the Form or Idea of (a) Triangle. Plato says such Forms exist in an abstract state but independent of minds in their own realm. Considering this Idea of a perfect triangle, we might also be tempted to take pencil and paper and draw it. Our attempts will of course fall short. Plato would say that peoples’ attempts to recreate the Form will end up being a pale facsimile of the perfect Idea, just as everything in this world is an imperfect representation of its perfect Form. The Idea or Form of a triangle and the drawing we come up with is a way of comparing the perfect and imperfect. How good our drawing is will depend on our ability to recognise the Form of Triangle. Although no one has ever seen a perfect triangle, for Plato this is not a problem. If we can conceive the Idea or Form of a perfect triangle in our mind, then the Idea of Triangle must exist.”

 

MACINTOSH, David in https://philosophynow.org/issues/90/Plato_A_Theory_of_Forms

As formas, para este filósofo, delimitam a verdadeira essência do objecto, a metafísica; a matéria física, o sensível, é apenas a sua aparência formal . Quando um artista pinta um cachimbo, apenas imita a aparência do cachimbo e não a ideia platónica do cachimbo.

“(…) ele considerava impossível que a definição universal se referisse a algum dos objectos sensíveis, por estarem sujeitos a mudança.” Aristóteles sobre Platão. (…) Portanto, posto que as Formas são causas das outras coisas, Platão considerou os elementos constitutivos das Formas como os elementos de todos os seres.”

 

in ARISTÓTELES. Metafísica. Edições Loyola,São Paulo, 2002, P. 35 - 37

Magritte Pipe

 ‘The Treachery of Images’, René Magritte, 1929

A intelectualização do conceito de ‘forma’ segue-se com Aristóteles , que, ao contrário de Platão, não faz distinção entre a forma universal e a particular. Entre o conceito metafísico e o sensível, um não vive sem o outro. A forma e a matéria fazem parte da substância, em que a matéria é transformada em substância sobre a forma que tem. 

Aristóteles (384-322 A.C) sobre os Pitagóricos e Platão:

“Platão, com efeito, tendo sido desde jovem amigo de Crátilo e seguidor das doutrinas heaclitianas, segundo as quais todas as coisas sensíveis estão em contínuo fluxo e das quais não se pode fazer ciência, manteve posteriormente essas convicções. Por sua vez Sócrates ocupava-se de questões éticas e não da natureza em sua totalidade, mas buscava o universal no âmbito daquelas questões, tendo sido o primeiro a fixar a atenção nas definições. Ora Platão aceitou essa doutrina socrática, mas acreditou, por causa da convicção acolhida dos herarlitianos, que as definições se referissem a outras realidades e não às realidades sensíveis. De fato, ele considerava impossível que a definição universal se referisse a algum dos objectos sensíveis, por estarem sujeitos a contínua mudança. Então, ele chamou essas outras realidades Ideias, afirmando que os sensíveis existem ao lado delas e delas recebem seus nomes. Com efeito, a pluralidade das coisas sensíveis que têm o mesmo nome das formas existe por ‘participação’ nas formas. No que se refere à ‘participação’ a única inovação de Platão foi o nome. De fato os Pitagóricos dizem que os seres subsistem por ‘imitação’ dos números; Platão, ao invés diz ‘por participação’, mudando apenas o nome. De todo modo, tanto para uns como o outro descuidaram igualmente de indicar o que significa ‘participação’ e ‘imitação’ das formas.”

 

in ARISTÓTELES. Metafísica. Edições Loyola,São Paulo, 2002, P. 36 

No século XIX a forma torna-se um conceito confuso, com diferentes posições. Kant assume ser apenas propriedade da percepção; Goethe propriedade dos objectos reconhecida através de princípios genéticos e Hegel propriedade acima e antecedora dos objectos apenas perceptível pela mente.

"Imaginemos uma Árvore, essa árvore é a substância material, tem forma e matéria. A forma é a natureza da árvore, a sua aparência, esta é mutável à medida que a árvore amadurece, alimenta-se/ retira nutrientes do meio ambiente, remove resíduos e cresce. Cada um destes eventos faz parte da árvore. Não é possível retirar a actividade da árvore, da própria. A forma da árvore, determina as propriedades e actividades de cada parte física da mesma. A matéria apenas surge determinada pela planta para que particulares actividades e propriedades aconteçam. Aristóteles acredita, para todas as sustâncias, que sem forma, a matéria não teria propriedades ou acontecimentos. "

 

FORTY, Adrien. Words and Buildings: A vocabulary of modern Architecture. Thames and Hudson, New York, 2000, P. 150

A Forma nas Artes Plásticas - a origem da Forma

“Form in art is the shape imparted to an artifact by human intention and action.”
READ, Herbert. The Origins of Form in Art. Thames and Hudson, London, 1965, P.66

“Why, out of the shapeless chaos of stick and stones, or out of the handy and useful objects which were the first tools of primitive man, did form progressively emerge until it surpassed the utilitarian purpose of the shaped object and became a form for the sake of form, that is to say, a work of art?”

READ, Herbert. The Origins of Form in Art. Thames and Hudson, London, 1965, P.67

A ‘forma’ apesar de ter sido racionalizado o conceito na filosofia e mais tarde na estética, podemos olhar para a história e perceber quando foi o primeiro gesto formal, a intenção de moldar algo com intuito, que não o funcional. Se olharmos para os primeiros instrumentos que o homem moldou,

 

“We find a chronological sequence which begins with conveniente pieces of Sharp stone, sharks’s teeth or shells, anything with a cutting edge, and gradually (over many thousands of years) leads to objectd deliberately shaped for this purpose.”

12 READ, Herbert. The Origins of Form in Art. Thames and Hudson, London, 1965, P.68

As primeiras ferramentas documentadas são os ‘eoliths’ (idade da pedra) que ainda são muito difíceis de distinguir, discutidas na esfera arqueológica, de formas moldadas pela erosão. Independentemente de terem sido as primeiras ou não, interessa apenas contextualizar que no neolítico estas ferramentas foram evoluindo, mas como formas apenas utilitárias (facas, machados…).

Nesta evolução formal ou morfológica podemos distinguir 3 tipos: Primeira: perfuração e corte onde havia o objectivo de criar artefactos afiados ou pontiagudos; segunda: martelos e cacetes; terceira: vasos ou taças para líquidos ou alimentos. Uma vez que o processo de invenção das peças estava estabilizado, começou-se a refinar a técnica da produção do instrumento. Mas há que notar, que quando olhamos a linha temporal desde a invenção ao aperfeiçoamento das técnicas de fabrico em pedra até aos instrumentos já refinados, feitos em ferro e bronze, são meio milhão de anos de experiência.

 São duas as hipóteses possíveis que podem explicar o que levou à origem da forma estética:

A primeira, uma imitação naturalista das formas encontradas na natureza, esta imitação pode ter sido feita consciente ou inconscientemente; a segunda, idealista. Na segunda hipótese, a forma ganha significado próprio, é uma resposta a algo, a uma expressão/ sentimento, apesar de não ter de ser necessariamente consciente, a expressão pode ser intuitiva, ou pelo contrário ser derivada de um composição ou regra.

Com o aperfeiçoar dos instrumentos, vieram leis da física, que influenciaram as formas, como a simetria, muito possivelmente inspirada na própria anatomia humana. Esta simetria resultou num balanço entre matérias. As formas ainda que não exclusivamente utilitárias, tinham sempre que responder à função. Por exemplo um vaso, tanto pode ser usado para libações, para guardar ou transportar grãos, líquidos, cinzas dos falecidos.

Todos estes rituais, uns quotidianos, outros religiosos, merecem um valor formal diferente no vaso que não apenas o utilitário. Há que assumir que o valor espiritual teve um peso considerável na evolução da forma, do utilitário ao ritual/ espiritual.

 

“When Neolithic man, motivated perhaps by the pratical purpose of achieving greater imperviousness to liquids, combined polishing with painting and applied both to a form he had created (plate 37), his consciousness of freedom was increased. The new means of representation changed the impression produced by the pot, and man consequently gained insight regarding the difference between the actual nature and the Effect of a given form. Formerly, when the prehistoric artist for the first time applied mathematics to matter, the Effect was only an outward adjustment – the weight of the material, despide its smoothness, still opposed the abstraction of mathematics. Now, when polished colour concealed the material eye, the mind began to play with the impression of gravitational pull and tried to eliminate it. This tendency was heightened by the fact that the material was actually reduced to a fairly thin layer. In the much-admired thinness of badarian pottery we are confronted not only with virtuously (which surely must have had a high market value), not only with the purely aesthetic principle of elegance, but with a general ideological force that attempted to play with the opposition between matter and spirit, that is, endeavoured to stress or to eliminate this opposition by desmaterializing the material and materializing the immaterial.”

Excerto transcrito do livro: RAPHAEL, Max. Prehistoric pottery and civilization in Egypt. Bollingen Series, New york, 1947, P.24-25, in READ, Herbert. The Origins of Form in Art. Thames and Hudson, London, 1965, P.75

 

Em suma, esta evolução que transforma formas utilitárias em obras de arte, onde o espírito e rituais transcendentes à função do artefacto são o motivo para a transição. Podemos assumir que aconteceu em três fases: a descoberta da forma utilitária, o refinamento da forma funcional para o seu apogeu utilitário e por último o refinamento da forma funcional com o propósito de criar ou responder a simbolismos.

Enquanto à pergunta do porquê de no caos da idade da pedra, o Homem ter traduzido peças utilitárias em peças artísticas, acredito estar na sua natureza, e a quando já de um domínio da técnica, os artesãos aprimoram e dão significados exteriores a ele.

Na história da arquitectura podemos assumir um percurso semelhante, entre a tradução do elemento utilitário em artístico. O Homem ainda na caverna primitiva, precária, um abrigo, constrói, na mesma idade da pedra, os primeiros monumentos, conjuntos de formas, que homenageiam o exterior de si, os Deuses.

eolith

Em cima: Machado de mão feito em pedra, encontrado em ‘Tames Valley’. Do período Paleolítico inferior Em baixo: Machado de mão feito em pedra polida, encontrado em ‘Bornholm. Do período Neolítico tardio.

As (primeiras) formas da arquitectura

Marc-Antoine Laugier, escreve um ensaio de arquitectura, que apesar de não ter o propósito de expor a origem da arquitectura, demonstra os seus princípios essenciais através da alegoria da cabana primitiva. Um abrigo artificial, cuja função era proteger dos elementos naturais, com uma cobertura e paredes, feito de materiais como pedra, madeira, ou com plasticidade semelhante. A forma dependia essencialmente de factores naturais, do clima, da geografia e dos próprios materiais, em que os componentes essenciais são as colunas, o entablamento e o frontão. Laugier escreve:

 

“(...)from now on, it will be easy to distinguish between those parts that are essencial to an architectural composition and those introduced by necessity and added to by caprice.”

LAUGIER, Marc-Antoine. An Essay on Architecture. Osborn and Shipton, London,1755

 

 

Em baixo, apresento duas ilustrações, duas versões do livro “ensaio sobre arquitectura” (edição francesa e inglesa) de Marc Antoine Laugier, a cabana primitiva, duas ricas e diferentes representações deste primeiro abrigo criado pelo Homem. A primeira ilustração, da versão francesa, parece uma visão, a mulher, angelical, mais velha, sentada sob a metáfora da sabedoria das épocas que viriam, os pilares gregos, mostra, ou incita à imaginação da criança, ainda nua, despida de saberes, a física existente na natureza. Os troncos das árvores, os pilares, e as copas com ramos, a cobertura. Os princípios da arquitectura já existiam na natureza. A forma resultante da metáfora, é curiosamente semelhante à casa que uma criança, de hoje, desenharia se lhe pedissem. A simplicidade infantil, apenas o necessário. A segunda ilustração parece uma continuidade da primeira imagem, como se uma banda desenhada se tratasse. Um seguimento, a materialização dos ensinamentos, onde se vê homens a derrubar as árvores que viriam a ser os pilares, outros, a porem os galhos e folhas para fazer a cobertura.

A forma da cabana primitiva foi a herança do que a natureza nos mostrou. Na idade da pedra, uma das possíveis teorias para a evolução da forma utilitária para artística, foi a imitação da natureza. Aqui, ilustrado, na arquitectura houve esse mesmo movimento. A saída da gruta, para um abrigo, que ainda utilitário, veio a estabelecer os fundamentos da arquitectura para os séculos seguintes.

cabana primitiva, marc laugier

Ilustração da capa do livro ‘Essai sur L’Architecture’ de Marc-Antoine Laugier (1753)

marc laugier a cabana primitiva

Ilustração da capa do livro ‘An Essay on Architecture’ de Marc-Antoine Laugier (1755)

A transição deste primeiro abrigo teve de invocar entidades superiores, a vontade de materializar a vontade do espírito, de Deus.

 

“Architecture, if it is to escape from the primitive, the childish, the archaic, must be inspired by considerations that are intelectual, abstract, spiritual – considerations that modify the strict requirements of utility.”

READ, Herbert. The Origins of Form in Art. Thames and Hudson, London, 1965, P.99

 

Na arquitectura antiga, Grega ou Romana, no Gótico, Barroco, Renascimento ou em outros estilos e maneiras, a arquitectura era feita, concebida, através de um conjunto de elementos formais e ornamentos, a ideia de forma contemporânea não tinha cabimento.

O significado de ‘forma’ era mais relacionado com os princípios formais da escultura, aspirando esta à monumentalidade, e a arquitectura uma procura de significados simbólicos e etéreos, duráveis, monumentais. A matéria era a mesma, a pedra (ou madeira) e trabalhada com os mesmos princípios plásticos que na escultura.

Na arquitectura antiga, havia uma pureza, uma tradução do material/ matéria em monumentalidade. A estética, a beleza de um edifício estava intimamente ligada à sua verdade construtiva e à sua verdadeira função.

 

“Segundo Hegel, Deus revela-se na natureza e na arte sob forma de beleza. Deus manifesta-se duplamente: no objecto e no sujeito, na natureza e no espírito. A beleza é, pois, o transparecer da ideia através da matéria. O verdadeiramente belo é apenas o espírito e tudo aquilo que é ligado ao espírito, e por isso a beleza da natureza é apenas o reflexo que é peculiar ao espírito: o belo possui apenas conteúdo espiritual. Mas o espiritual deve manifestar-se numa forma sensorial. A manifestação sensorial do espírito é só aparência (Shein). E esta aparência é a única realidade do belo. Por isso, a arte é a realização desta aparência da ideia, e é o meio, juntamente com a religião e a filosofia, de tornar consciente e de dar expressão às mais profundas tarefas humanas e às supremas verdades do espírito. A verdade e a beleza, segundo Hegel, são a mesma coisa; a diferença consiste em que a verdade é a própria ideia, na maneira como existe e é inteligível em si própria, enquanto a ideia manifestada exteriormente se torna para a consciência não só verdadeira, mas também bela. O belo é a manifestação da ideia.”

TOLSTÓI, Lev. O que é a arte. Gradiva, Lisboa, 2013, P. 59

Jordania

Al Khazneh’ da antiga cidade Romana de ‘Petra’, na Jordânia (312 A.c.) Neste exemplo ilustro a proximidade entre a escultura e a arquitectura, aqui, inclusive, na sua construção através de subtracções (esculpida) na rocha maciça.

Esta beleza de Hegel é o reflexo de um edifício Grego, ou Romano; onde tudo é pensado, calculado em homenagem a uma entidade superior. Desde as proporções aos elementos configurativos do edifício, tudo é uma ode, numa procura estética e espiritual num diálogo entre a escala do Homem e a escala de Deus. A presença da forma é a presença da simbologia de Deus na linguagem humana, um balanço entre harmonia e simetria, regrada por proporções matemáticas.

 

“It is the eternally reiterated claim of spirit to inform matter, and art ceases to exist when that claim is refused.” Nevertheless, matter is recalcitrant and only yields to a spirit capable of an intense and coherent vision. Aesthectics is the study of the conditions under which the materials of art are persuaded to accommodate an informing spirit. It has always been recognized that the Greek temple is the paradigma for this study(…)

READ, Herbert. The Origins of Form in Art. Thames and Hudson, London, 1965, P.99

 

 

Os templos Gregos, se repararmos, são formas bastante simples, aproximamse, inclusive, da primeira imagem da cabana primitiva, onde eram elementos naturais ainda virgens. No entanto tudo tem carga simbólica, tudo foi intelectualizado, apesar dos princípios serem, aparentemente, básicos. O Homem foi criado à imagem de Deus, e os templos foram concebidos à escala do Criador com a proporção humana. A magnitude dos templos era para ser vista de longe, como uma escultura que honra os Deuses.

Os princípios Gregos foram fundamentais, foram as bases sobre a qual diversos estilos se desdobravam nos séculos seguintes. E por estilos, refiro-me a uma série de

 

“elementos formais, que possuem um valor indicativo, são o seu repertório, vocabulário e por vezes um poderoso instrumento. Mais ainda, embora menos evidente, uma série de relações, uma sintaxe. Um estilo afirma-se pelas suas dimensões” .

FOCILLON, Henri. A vida das formas.Arte e Comunicação, Lisboa, 2016, P.17

 

Sem me alongar na caracterização dos sistemas formais que caracterizam os diversos estilos, como o Gótico, Barroco, Renascimento (…), quero apenas evidenciar que na arquitectura por vários séculos, a forma foi substituída pelo estilo. A forma arquitectónica não era um conceito individual, pertencia a todo, a uma linguagem, que podia coexistir, com outra.

 

“Vários estilos podem existir simultaneamente, mesmo em regiões muito próximas, até na mesma região; os estilos não se desenvolvem de igual modo nos diversos domínios técnicos em que se aplicam”.

FOCILLON, Henri. A vida das formas.Arte e Comunicação, Lisboa, 2016, P.17

louis kahn desenho atenas
partenon le corbu

Desenho de Louis I. Kahn na ‘Acropolis from the Olympieion, Athens, Greece’ (desenhado em 1951).

Desenho de Le Corbusier no Parthenon, Atenas, Acropolis Grécia (V A.C.) (desenhado em 1911)

Viollet-le-duc, afirmava que para todas as formas arquitectónicas havia uma razão. “A forma não é um resultado de um capricho… é apenas a expressão de uma estrutura (…) dêem-me uma estrutura e eu encontro as formas que naturalmente resultam dela”.

FORTY, Adrien. Words and Buildings: A vocabulary of modern Architecture. Thames and Hudson, New York, 2000, P. 150

A Forma, a função, a expressão e o movimento modernista

“Form is one of the tried of terms (space and design are the other two) through which architectural modernism exists”

FORTY, Adrien. Words and Buildings: A vocabulary of modern Architecture. Thames and Hudson, New York, 2000, P. 150

Foi no modernismo que a forma ganhou espaço na arquitetura. A forma era uma consequência, uma linguagem entre materiais e resultados de intenções espaciais. A forma respondia à função. A forma pela forma era recusada, o formalismo. Olhando para todo o movimento, olhando para os escritos e teorias de arquitectos, há uma vontade de assumir essa máxima que a forma, a expressão de um edifício, é revelado pela sua função. Considerando o momento de transição e enriquecimento de matérias que foram utilizadas na plasticidade da arquitectura, como o aço e o betão, aliando às evoluções tecnológicas da revolução industrial percebe-se a vontade de assumir o funcionalismo como ode ao movimento.

 

“We know no forms, only buildings problems. Form is not the goal but the result of our work. There is no form in and for it self… form as goal is formalism; and that we respect. Nor do we strive for style. Even the will to stlyle is formalism”

FORTY, Adrien. Words and Buildings: A vocabulary of modern Architecture. Thames and Hudson, New York, 2000, P. 165

 

“We belive it is possible to define design in such a way that the rightness or wrongness of a building is clearly a question of fact, not a question of value”

 LIONEL March. The Architecture of Form. Cambridge University Press,Cambridge, 1976, P. 1

 

O que era antes, ou o que dependia antes, em absoluto, da estrutura para a forma do edifício, a rígida casca de paredes portantes foi substituída por um esqueleto de aço, como diz Mies Van de Rohe: “pele e esqueleto de ossos” . Nesta era da máquina, as preocupações dos arquitectos divergiam da procura da monumentalidade ou da beleza dos seus antepassados, ou pelo menos, foi assim que o movimento moderno começou. A relação com a arte, com a escultura, que tão íntima na Arquitectura antiga e na clássica, perde-se (por um momento) em prol da funcionalidade.

 

“Diz-se por exemplo que Hannes Meyer, arquitecto da Bauhaus, afirmava que ‘é um absurdo falar do estilo moderno em termos de estética. Se um edifício responde aos seus fins de maneira adequada, completa, e sem compromisso, é um bom edifício, independentemente do seu aspecto’. E Loos considerava que a arquitectura devia contar-se entre as artes, apenas na escassa medida em que se ocupar de túmulos ou monumentos, já que a contaminação entre arte e finalidade material ‘profana o seu superior’ objectivo. E antes dele, Schopenhauer formulou a observação de que não se pode considerar a arquitectura, arte, na medida em que está ao serviço de um objectivo prático, já que ao estar ao serviço da utilidade, o está da vontade, quer dizer, de necessidades materiais, mais que ao serviço da cognição pura.” 

ARNHEIM, Rudolf. Para uma Psicologia da Arte e Arte e Entropia. Dinalivro, Lisboa, 1997, P.194

 

Os funcionalistas consideravam que a beleza seria uma consequência se apenas se cingissem às necessidades práticas, não era intencional. No entanto, apesar da vontade, está intrínseco um valor estético que se enquadra no ramo da arte, através da expressão visual. Rudolf Arnheim, no livro ‘Para uma psicologia da arte’, ensaia sobre como é intuitivo ao arquitecto, ao Homem, o sentido de beleza, ainda que não o queira, ou não saiba que o está a fazer. Para argumentar, utiliza uma reflexão de Adolf Loos, um dos arquitectos que defende, como ilustrei atrás, que a arquitectura não pertence ao âmbito da arte. No entanto fá-lo inconscientemente.

 

“Adolf Loos, arquitecto vienense reformista de princípios de século, fala da paz de um lago de montanha: as montanhas e as nuvens reflectem-se na água, do mesmo modo que as quintas e as igrejas das aldeias ‘parecem não ter sido construídas por mãos humanas’. Mas uma dissonância quebra essa paz ‘com um clamor desnecessário. No meio das casas dos agricultores, erguidas não por eles mas por Deus, surge uma casa de férias. Criação de um arquitecto bom ou mau? Não sei. O que sei é que a paz, a calma, e a beleza desapareceram’. E Loos pergunta: ‘porque é que um arquitecto, bom ou mau, teve de profanar o lago? O camponês não o fez, nem o fará o engenheiro’ que construiu as embarcações e o caminho de ferro, Loos aponta que o sentir do camponês está totalmente orientado pelos aspectos utilitários de sua casa: o telhado, a porta. O seu sentido de beleza guia-se instintivamente. Sua casa é ‘tão bonita como uma rosa, um cardo, um cavalo ou uma vaca’. As faculdades de criar proporções adequadas, harmonia de cores, uma forma apropriada e uma expressão visível actuam intuitivamente, como nas pinturas de uma criança ou no artesanato primitivo”.

ARNHEIM, Rudolf. Para uma Psicologia da Arte e Arte e Entropia. Dinalivro, Lisboa, 1997, P.193

 

 

O elogio de Loos ao instinto, ao primitivo, relembra as premissas dos elementos básicos de Laugier, onde a arquitectura se resume a apenas esses componentes. Os restantes, o ornamento, é excluído da linguagem funcionalista, pois não são essenciais. O arquitecto vienense, despe os edifícios aos seus elementos essenciais e vinca o divorcio da nova era da arquitectura ao ornamento.

Há uma clara contradição entre as intenções ideais e a realidade. Herbert Read, já citado por diversas vezes nesta dissertação, põe em confronto a posição de Mies Van Der Rohe e Fiedler (historiador alemão). Mies diz:

 

“Form is not the aim of our work, but only the result. Form, by it self, does not exist. Form as an aim is formalism; and that we reject.”

READ, Herbert. The Origins of Form in Art. Thames and Hudson, London, 1965, P.107

 

Em contraste Fiedler assume:

 

“in architecture, as in every intelectual activity, there is a progress from the formless to the formed… forms which owe their existence to needs and wants, or to technical ability, are, so to say, moulded from outsider according to certain independedtly formulated requirements… ‘the’ artistic process of creation in architecture is characterized by an alteration of form whereby materials and constructions continue to recede, while the form which belongs to the intellect, continues to develop towards na increasingly independet existence.”

READ, Herbert. The Origins of Form in Art. Thames and Hudson, London, 1965, P.108

 

As duas afirmações, não podem coexistir na questão do formalismo na arquitectura. Herbert Read, para decompor a posição de Mies cita-o novamente e mostra a debilidade da posição absolutamente funcionalista. Na inauguração da posição de director de arquitectura na ‘Armour institute of architecture’ em 1938, Mies admite que a arquitectura na sua mais simples forma é enraizada absolutamente em considerações funcionais, “pode atingir todos os patamares de valor, da mais alta esfera da existência espiritual, até domínio da mais pura arte”.

Reitera que as sensações provocadas pelos materiais se o poder de expressão dos grandes edifícios do passado são conseguidos pela relação dos materiais usados. Uma relação entre material - expressão revelada pela verdade construtiva que por igual pode ser conseguida pelos materiais que lhe são contemporâneos, o aço e o betão.

 

“(...)everything depends on how we use a material, not the material itself (...) how it is used will depend on the functions of the building, and on certain psychological or spritual factors, for in the end we are depended on the ‘spirit of our time’.”

READ, Herbert. The Origins of Form in Art. Thames and Hudson, London, 1965, P.108

Figura_2._Ilustración_de_la_época_en_ironía_a_la_obra_de_Adolf_Loos._Imagen_de_dominio_púb

lustração em tom de caricatura, sobre a procura do movimento moderno, a mudança do paradigma de toda uma história que venerava o ornamento, foi um choque aquando se despiu os edifícios. Na imagem ensaia-se sobre a banalidade da simplicidade, que nada tinha de belo. Seca e sóbria que nem uma grelha de sarjeta. 1911, jornal

A forma pertence ao seu tempo é concebida com a linguagem (materiais) da sua época, esta máxima é transversal a todas as artes. As expressões impressas nas ideias são apenas actuais, recebe-se a herança dos ideais passados mas não se podem reproduzir. No modernismo três novas ordens/ princípios surgem na esfera da arquitectura:

 

“(...) the mechanistic which overemphazaizes the materiaistic and functionalistic factors in life; the idealistic which overemphasizes the ideal and the formal; and the organic which alone achives the successful relationship of the parts to each other and to the whole.”

READ, Herbert. The Origins of Form in Art. Thames and Hudson, London, 1965, P.108

 

Este novo termo, orgânico, o elo entre as partes e o todo, como refere Herbert Read, é o cerne da arquitectura de Frank Lloyd Whright, a adição ao movimento modernista, para além das suas premissas funcionalistas e da dialética entre materiais. Emerge a relação com o lugar.

A forma não pode ser reduzida a uma fórmula matemática, como se pode aplicar na natureza, por exemplo a sequência Fibonacci, nem como antes assumia Viollet-Le-Duc, que dizia que a forma resultava da estrutura do edifício.

O resultado formal, mesmo na era da máquina, na arquitectura, também não é o mesmo processo de um aparelho mecânico, de uma máquina, apesar do movimento modernista assim o querer fazer entender.

 

“ Art differs from nature, not in its organic form, but in its human origins: in fact that is not God or a machine that makes a work of art, but the individual with his instincts and his intuitions, with his sensibility and his mind, searching restlessly for the perfection that is neither in mind nor in nature, but in the unknown. I do not mean this in any other-worthly sense: only in the sense that the form of the flower is unknown to the seed.”

READ, Herbert. The Origins of Form in Art. Thames and Hudson, London, 1965, P.108

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